Fables de Jean de La Fontaine


Sem muitos reparos a uma obra que os nada precisa, saliento sobretudo a conjugação magnífica de La Fontaine e Doré.

La Fontaine que passa toda uma vida contrafeito com a monarquia eo rei. Nada de estranhar, portanto, que as suas Fábulas tão bem coloquem em cena as personagens que, na vida do poeta, se comportavam como autênticos animais (e vice versa). La Fontaine não é o primeiro, mas as suas fabulações têm um encanto muito próprio – derivado do seu estilo, claro, mas também do seu tempo. São fábulas cortesãs. Em cada leão, em cada rato, em cada raposa se esconde um monarca, um ministro, um fidalgo.
Por isso gostamos tanto (aqui em território nacional) de ler as traduções de Bocage – a cáustica censura de La Fontaine não podia ser melhor entendida por outro qualquer. Nesse sentido, esta edição reúne alguns belíssimos nomes da tradução. Colocar face a face o dito Bocage e Curvo Semedo, por exemplo, é uma preciosidade com que apenas nos dias de hoje nos podemos deleitar tirando pleno benefício da rivalidade de ambos.

Já a junção das ilustrações de Doré remata o conjunto de escolhas. Doré, artista a quem não faltou livro que ilustrar, de um Byron, a um Poe a um Cervantes… Como aí, as ilustrações das fábulas são primorosas, e imprimem um cunho de realidade à fantasia do texto – as ilustrações, e imprimem um cunho de realidade à fantasia do texto – as ilustrações, texto para o mundo animal, salientam o caráter alegórico da narrativa. Com Doré é mais difícil atribuir a um animal particular personagem histórico (em ilustrações de época é bastante fácil distinguir quem é quem), mas mais fácil captar o sentido do texto.

Talvez o meu gosto pessoal me empurre mais para as versões de Esopo que as de La Fontaine, mas é impossível não reconhecer que as últimas têm um charme diferente e um cunho muito pessoal.

Depois, algumas das fábulas constituem já tanto do manancial cultural europeu que se esbatem as barreiras, e às tantas já não sabemos que versão estamos a citar.
Por isso mesmo, o melhor é mesmo ler as Fábulas, de La Fontaine ou de Esopo – e se acompanhadas de ilustrações deste calibre melhor ainda.

Un raposa eo busto

Era um busto famoso, um todo teatral…
Por entre a multidão, o burro, esse animal
Que não sabe julgar senão as aparências
Gabava da escultura as raras excelências.
A raposa, porém, um tanto mais sabida, Aproxima-se e diz :
«Não vi, por minha vida,
Cabeça tão perfeita!… É mágoa verdadeira
A falta que lhe faz lá dentro a mioleira!

Aos centos, pelo mundo, os homens conto
Que são bustos perfeitos neste ponto.

(trad. MOURA CABRAL)



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